Diante de uma plateia respeitosa e atenta, autoridades, acadêmicos e gestores deixaram seus testemunhos pessoais e depoimentos de feição histórica. Além disso, sublinharam o admirável e coerente percurso de mais de 50 anos devotados ao ensino, à pesquisa e à ciência, bem como sua dimensão humana corajosa, generosa e solidária. Na solenidade, ocorrida na sede do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), foi lançado ainda o livro Homens que nos ensinaram a concepção de mundo - um passeio analítico pelo pensamento de treze grandes cientistas que vão de Aristóteles a Einstein, além de relançada a obra A universidade interrompida: Brasília 1964 -1965, na qual relata tanto sua experiência pioneira circunscrita ao projeto que originou a Universidade de Brasília quanto as graves crises que a atingiram - ambos pela Editora UnB.

PARALELAS - Acompanhado de sua esposa Sonia Salmeron, o cientista, hoje com 90 anos, foi surpreendido com um vídeo-homenagem com testemunhos significativos de alguns dos seus pares, bem como de familiares próximos. Produzido pela equipe do MCTI, o filme apresenta, além de seu legado como cientista experimental, sua porção de professor e de homem vocacionado ao ensino. Entre os depoimentos, a coreógrafa e ex-bailarina Gisele Santoro, viúva do maestro Claudio Santoro, contou da fraterna afinidade entre os dois e da homenagem musical expressa na obra intitulada Interações Assintóticas, dedicada ao físico, na qual sugere o significado de paralelas que se encontram no infinito. Igualmente pioneiro na UnB, o pintor e gravurista Glênio Bianchetti falou da dimensão humana do amigo: "é um sujeito simples e grandioso que comove a gente".

Em seu discurso, Alberto Santoro, graduado em Física pela UnB e hoje professor-titular da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), contou um dos grandes ensinamentos que teve com Salmeron no início dos anos 60, quando partiu para a capital federal acompanhando seu irmão Cláudio Santoro. "Homenagear o nosso professor é celebrar a própria Física Experimental de Altas Energias em sua relação mais funda e elementar da natureza - esses primeiros tijolos a partir dos quais os físicos pretendem compreender e reconstruir o universo." Para Alberto, além de sua contribuição como cientista e pesquisador inovador e ousado, a liderança política de Salmeron na UnB foi inegável. A generosidade do mestre também foi lembrada por ele: "na França, durante meu doutoramento, eu e um grupo de jovens pesquisadores íamos sempre à sua casa para aprender o básico de Física de Partículas".
Lívio Amaral, diretor de Avaliação do Conselho Técnico-Científico da Educação Superior (Capes), também físico de formação, lembrou que seu primeiro contato com a figura de Salmeron foi nos livros de ginásio. "Mais tarde tive a felicidade de conhecê-lo na Sociedade Brasileira de Física, onde estava à frente como diretor".

MEMÓRIA - Uma retrospectiva histórica a partir dos processos de Salmeron junto ao CNPq, ainda durante a década de 60, foi mostrada por Glaucius Oliva, presidente da instituição. Segundo ele, é uma memória que ilustra e confirma o comprometimento do pesquisador com a ciência e o desenvolvimento do país. Tais documentos resgatados contam alguns episódios, como a solicitação, em 1961, de "dois milhões de cruzeiros" para aquisição de materiais diversos para o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) - "algo fundamental para a consolidação de uma instituição que hoje é ícone na ciência nacional".

Oliva relatou ainda uma consulta feita por Salmeron, em 1963, na qual solicitava recursos para vir de Genebra e transportar, de barco, os pertences de sua família para o Brasil, externando sua disposição em assumir o desafio de implantar a Universidade de Brasília. No parecer, o diretor da época não só considerou o pleito justo, como demarcou a importância de o país recuperar "um cientista e intelectual desse quilate".

Na sequência, em 1965, o físico teve outro auxílio aprovado, dessa vez para equipar o laboratório de física que montava, juntamente com outros pesquisadores, entre eles o jovem matemático Marco Antonio Raupp, hoje ministro de Ciência e Tecnologia. "Mas entre a concessão e a aplicação dos recursos, em 23 de fevereiro de 1966, escreve para o presidente do CNPq abrindo mão da verba e anunciando sua demissão do cargo de professor, em solidariedade a outros 222 colegas", complementa Glaucius, acrescentando que "esse foi um gesto de grandeza, já que recomendou que tais recursos fossem utilizados pelos docentes que restaram na universidade".

PANTEÃO - Em seu pronunciamento, o reitor José Geraldo de Sousa Júnior sublinhou que "a UnB se associa a esse evento no ano do seu cinquentenário, especialmente homenageando Roberto Salmeron, uma rica expressão da intelectualidade brasileira, que porta uma importante papel de resgate memorial do projeto e ideário que originaram essa universidade". De acordo com o reitor, nesse marco celebratório situa-se a reedição, pela própria Editora da UnB, de A universidade interrompida, que elucida e ilumina um grave momento político do país - "um depoimento histórico dramático, real, que termina, porém, com uma mensagem de esperança". Ao se referir ao livro inédito Homens que nos ensinaram a concepção do mundo, José Geraldo saudou Salmeron, afirmando que o cientista integra esse "panteão de pensadores fundamentais, que fundaram, ensinaram e moldaram visões de mundo". José Geraldo aproveitou para cumprimentar professores que ajudaram a construir a história da UnB, como Isaac Roitman, Luis Fernando Victor, José Carlos Coutinho, Lauro Morhy, Marco Maia, Lúcia Helena Pulino, bem como Ivan Camargo, primeiro colocado na lista tríplice da consulta para reitor da UnB, encaminhado à presidente Dilma Rousseff.

A atuação política de Salmeron foi outro ponto demarcado pelo reitor, ressaltando que seus históricos depoimentos são uma contribuição fundamental na necessária retomada e continuidade à "grandeza originária" do modelo desenhado por Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira. "É dupla a sua lealdade, seja na construção do saber civilizatório seja em sua dimensão social, a responsabilidade de construir o futuro do Brasil". Para José Geraldo, Salmeron é um "homem consciente de sua responsabidade, não hesitou no momento de um necessário ato heróico, uma renúncia em forma de denúncia, sem dúvida um exemplo de resistência".

Por fim, José Geraldo mencionou o livro O discurso da servidão voluntária, de Etienne de La Boétie, para ilustrar a inspiração libertária e a grandeza política e humana de Roberto Salmeron, "um homem que, além de não se submeter à tirania, também soube valorizar os afetos e as amizades". Como motivador de seu êxito e percurso, arriscou como uma das grandes responsáveis a companheira de mais de 50 anos de vida. "Basta notar a quem, e de que modo, os seus livros são simples e definitivamente dedicados: Sonia", apontou.

LIDERANÇA - "Salmeron era um verdadeiro general de campo. Quando houve a invasão na UnB, demonstrou grande capacidade de liderança. O ambiente era terrível, havia muita injustiça, mas mesmo assim ele sempre se manteve equilibrado". Com essa declaração, o ministro Marco Antonio Raupp, ex-aluno do homenageado, ilustrou a força e a combatividade política de seu mestre. Segundo avalia, apesar da grave intervenção à época da ditadura militar, "a universidade foi interrompida, mas suas ideias não", já que seu moderno e inovador projeto serviu de modelo a outras instituições de ensino superior, a exemplo da Universidade Estadual de Campinas e o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe). "A jovem Universidade de Brasília foi inspiradora, paradigmática", complementou.

Para o ministro, que fez mestrado em Matemática e chegou a dar aula na UnB na primeira metade da década de 60, "um dos momentos que Salmeron mostrou sua face de notável cientista e grande figura humana foi na Universidade de Brasília".

CONFIANÇA - Muito aplaudido, Salmeron agradeceu a homenagem, destacando o quanto "é bom ter amigos" e aproveitando para recomendar a gestores, pesquisadores e interessados em ciência que "determinação e força de vontade são fundamentais para prosseguir em qualquer ofício". Após reiterar a necessidade de se apoiar e incentivar os jovens, e de dizer que, apesar das dificuldades, nota progressos significativos em todas as regiões do país, finalizou com um otimista e esperançoso aceno para o futuro: "Tenho uma confiança ilimitada no Brasil".

OTIMISMO - Em uma rápida entrevista concedida à Agência UnB após a cerimônia, Roberto Salmeron, de modo cordial e simples, elogiou a iniciativa da Universidade de Brasília de constituir a Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade, instalada no dia 10 de agosto. "Acho muito importante que as novas gerações conheçam a verdadeira história do país. Uma frase que gosto muito de citar diz que um povo que não conhece a sua história corre o perigo de repeti-la", defendeu. "Na época da ditadura, todas as universidades brasileiras sofreram repressão, mas a de Brasília foi a mais perseguida, visada tanto por estar na capital federal quanto por seus jovens estudantes que representavam uma grande força de protesto", acrescentando que havia um coronel do serviço secreto do Exército encarregado pelo controle não só de toda a universidade, como de sua própria família.
Além de considerar a UnB "como uma das mais importantes do Brasil, com atividades expressivas nos mais diversos campos de conhecimento", o físico afirmou vê-la com muito otimismo. "Percebo que os novos dirigentes mantêm o espírito originário, inicialmente pensado para a UnB, conservando o desejo de pioneirismo e inovação", complementou.