A preservação da memória e a discussão dos atos praticados durante o regime militar foram fortemente defendidas pelas duas testemunhas ouvidas ontem na primeira audiência pública da Comissão de Memória e Verdade Anísio Teixeira da Universidade de Brasília (UnB). O ex-reitor da instituição Antonio Ibañez e o Secretário de Educação Superior do Ministério da Educação e ex-estudante da UnB, Romário Schettino, narraram as experiências na época e lembraram dos tempos de perseguição.

Ibañez e Schettino representam momentos diferentes da repressão nos corredores e nas salas de aula da universidade. O primeiro sofreu a invasão de 5 de agosto de 1968 à UnB, período em que atuava como professor do Departamento de Engenharia Mecânica. Ele havia se mudado para Brasília no ano anterior a fim de ajudar a estruturar o curso. Apesar de envolvido na atividade acadêmica, ele conviveu diretamente com alunos e professores que organizavam a resistência. “Eram todos conectadíssimos. Os estudantes protestavam tomando o restaurante e batendo nas bandejas”, lembrou.

Os protestos tiveram graves consequências, segundo Ibañez. “O ano de 1968 foi de muito medo. A gente vivia apavorado na hora de vir para a universidade. Às vezes, a polícia fechava as entradas, tínhamos que nos identificar e havia sempre um clima de provocação muito grande por parte dos policiais. O fato de ser professor não significava nada. Também sofri muito deboche dos militares”, contou, emocionado.

Em 5 de agosto de 1968, os temores se concretizaram. As forças de repressão tomaram o câmpus sob forte esquema de segurança. O ex-reitor estava na sala dele, na Faculdade de Tecnologia, onde hoje funciona a psicologia. “Eu recebi uma ligação da Marilu (mulher dele, então decana de Assuntos Comunitários) me avisando: ‘Paco, os militares estão aqui’. Na mesma hora, ouvi gritos e tiros”, disse.

Quando o professor chegou aos corredores, deparou-se com o aluno Waldemar Alves ensanguentado. Ele havia sido atingido com um tiro na cabeça e alguns colegas tentavam retirá-lo do meio da confusão. “O gás lacrimogêneo prejudicava a visão”, detalhou Ibañez. Naquele dia, o educador acabou algemado e preso, sem qualquer explicação. “Um tempo depois apareceu um representante da Reitoria, que fez a triagem de professores e alunos. Fui solto, mas muitos alunos ficaram detidos”, continuou. Em 1972, ele deixou o Brasil e se dedicou ao mestrado e ao doutorado na Inglaterra. “Eu saí porque queria ter tranquilidade, não ser constantemente vigiado e, principalmente, poder me dedicar aos estudos.”

Romário Schettino, então aluno de história da UnB, sofreu com a ditadura a partir de 1973, quando o mineiro de Caratinga se mudou para Brasília. As atividades políticas dele começaram no ensino médio e se intensificaram na UnB. “Eu frequentava repúblicas e lutava contra a repressão, mas não participava da guerrilha. Um dia, os militares esperaram eu sair do trabalho, jogaram-me no meu carro e me vestiram um capuz. Não sei para onde fui levado, mas passei 25 dias preso. Sofri todo tipo de privação e de tortura. Depois, me soltaram em um matagal, na L2 Norte”, detalhou.

Os dois relatos são os primeiros de uma série de 10 depoimentos que reconstruirão parte da história da universidade no regime militar. Para isso, serão ouvidos, até junho, ex-funcionários, professores, estudantes, familiares de vítimas, advogados dos perseguidos políticos e suspeitos de colaboração com a tortura.