Em 1973, aos 20 anos, Carlos José de Oliveira Michiles ingressava no curso de Ciências Sociais da UnB. Teria ele, naquela oportunidade, conseguido imaginar que, pouco tempo depois, sob tortura, despido, encapuzado e pendurado em um pau de arara, seria interrogado por agentes da polícia política do regime para que revelasse a origem de seus livros, considerados subversivos? Essa experiência ocorreu com o jovem estudante, segundo seu próprio relato no Requerimento de Anistia nº 2004.01.48557, deferido em 2010 pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.

 Histórias como essa não devem ficar guardadas apenas na memória das vítimas de graves violações de direitos humanos ocorridas no Brasil entre 1964 e 1985, e na de seus familiares e amigos mais próximos. Por mais dolorosas que possam ser, tais histórias devem ser conhecidas pela sociedade, de modo que, como memórias coletivas, possam nos servir de parâmetro e alerta quando, miseravelmente, voltam à baila obscuros pedidos de intervenção militar contra o Estado Democrático de Direito. Porque, não nos enganemos, é disso que se trata: aquele passado é parte importante dos embates políticos do presente.

Para recuperar e divulgar informações dessa natureza, assegurando o exercício do direito à memória e à verdade, vêm surgindo pelo país várias comissões da verdade, a exemplo da Comissão Nacional da Verdade, criada pela Lei nº 12.528, de 2012. Uma dessas iniciativas é justamente a Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da Universidade de Brasília (CATMV-UnB), criada por meio da Resolução da Reitoria nº 85/2012.

Na última sexta-feira, 28 de novembro de 2014, o Seminário Nacional “Democracia em risco e a criminalização dos movimentos sociais” (organizado pelo Departamento de Serviço Social e pelo Projeto Quintas Urbanas da UnB, com os núcleos de pesquisa LOCUSS e NESCUBA/CEAM), foi palco de uma solenidade especial. Na ocasião, foi feita a entrega formal do relatório final da pesquisa empreendida pela Comissão de Anistia no seu rico acervo, destinada à Comissão Anísio Teixeira, em torno de requerimentos relacionados a estudantes, professores e funcionários de nossa universidade.

A CATMV-UnB conta, agora, com novos e valiosos subsídios para que, quando de sua conclusão, prevista para abril de 2015, possa apresentar à universidade e à sociedade um quadro amplo e aprofundado a respeito da estrutura repressiva e da perseguição política movida pela ditadura contra a comunidade universitária, e das lutas de resistência contra o regime.


 Paulo Eduardo Castello Parucker é historiador e membro da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade