O evento foi realizado pelo Coletivo Da Oca ao Centro Olímpico, grupo de ex-alunos da UnB idealizado pelo jornalista Aldir Nunes há anos e incentivado por Betty Almeida, ex-estudante de Química da UnB e integrante do Comitê da Verdade do DF, há cerca de três meses. "Além da homenagem aos desaparecidos, fazemos deles símbolos de centenas de pessoas que desapareceram no Brasil por lutarem contra a arbitrariedade no país", explica Betty Almeida.
O nome dado ao coletivo é igualmente simbólico e afetivo: refere-se a dois prédios de madeira, apelidados de Oca 1 e 2, construídos nos anos 1960 para abrigar estudantes e professores. Além disso, o primeiro Centro Olímpico, foi construído em mutirão dos próprios estudantes. Já o manifesto é bastante direto em seu princípio básico: "Crime de tortura, em qualquer circunstância, não prescreve, não se esquece e não tem perdão".
"Quando o coletivo de ex-alunos me convidou, acolhi com a maior presteza, porque vem ao encontro do cinquentenário da Universidade, em que nos envolvemos em um processo intenso de revisão da própria história da Universidade", disse o reitor José Geraldo de Sousa Junior. Vem ao encontro também, segundo o reitor, da criação Comissão da Memória e Verdade Anísio Teixeira - atuante na busca pela reconstituição daquele período - e de prédios recém-inaugurados no campus Darcy Ribeiro. Neste ano, os nomes de Honestino, Ieda e Paulo batizaram, cada um, um edifício voltado para a convivência universitária.
O auditório lotado de atores desse período trouxe, para José Geraldo, apenas uma ressalva. "No dia que inauguramos os edifícios, encontrei vários dos senhores e senhoras que encontrei aqui. Mas, curiosamente, não tivemos a presença de estudantes em nenhum desses momentos. Foi uma pena, já que esses são esforços de ressignificar a ação de estudantes como eles". Eustáquio José Ferreira, também ex-aluno do período e ligado ao movimento sindical, reforça a necessidade de maior adesão. "Estive na instalação da comissão, vi ali uma posição corajosa, um espaço para que esse trabalho se desenvolva. Contudo, precisamos mexer com a mente dos universitários e demais setores. A luta contra a tortura não vai ter sucesso enquanto não tiver eco na sociedade".
"O Brasil não vai adiante na busca de respostas sem pressão popular", resumiu Mauro Burlamaqui, presidente da Federação dos Estudantes da Universidade de Brasília (Feub) em 1967. "Esse ato é mais que uma homenagem a esse três mortos. É uma reafirmação da necessidade da punição dos torturadores e um alerta para que os jovens de hoje saibam o que aconteceu na época. Hoje há um desconhecimento e apatia muito grande", concluiu um dos fundadores do coletivo, o ex-estudante Álvaro Lins, vítima da repressão que viveu clandestinamente por 12 anos.
LEMBRANÇAS - "Está nas entranhas. Tenho um filho que se chama Paulo e carrego lembranças de cada um desses rostos", disse Aldir Nunes, emocionado, apontando para os rostos dos ex-colegas mortos estampados em cartazes. Na visão dele, Paulo de Tarso, Ieda Delgado e Honestino Guimarães sabiam bem dos riscos de sua luta quando o regime de terror se instalou no país. O projeto da UnB atraía quem estivesse atento a essas mudanças do país e Aldir lembra do velho amigo Paulo como "aquele que mais sabia das conseqüências, mas não se abstinha de tentar mudar não só o regime militar, mas o mundo". Como dirigente do Comitê Universitário do Partido Comunista, o então estudante de Direito Paulo de Tarso trouxe Aldir Nunes ao agrupamento comunista. Os dois logo foram postos para fora da Universidade, após a invasão dos militares à UnB, e terminaram na clandestinidade.
Lenine Bueno Monteiro, ex-aluno e militante, conta as condições adversas em que conheceu Paulo. "Quando preso político, me falaram da vinda de um advogado para nos ajudar. Este veio ao nosso encontro, trouxe cigarro, sabonete, maçã e chocolate. Depois se retirou, dizendo que o processo está andando. O advogado era Paulo de Tarso Celestino", lembra. "Paulo atuou fortemente na articulação dos estudantes, quando na Universidade e depois como advogado. Encarou muito desafios em defesa de excluídos", disse o reitor José Geraldo. "Me lembro dele andando de um lado para outro no campus. Embora opostos em opinião várias vezes, sempre fomos muitos cordiais um com o outro", disse Mauro Burlamaqui.
Também estudante de Direito, Ieda Santos Delgado foi lembrada na ocasião não como uma batedora da linha de frente, mas como dedicada articuladora de bastidores. "A Ieda foi uma pessoa pacata e muito humana. Sua participação política se deu basicamente no sentido de apoio. Nunca esteve na luta armada nem nada do gênero", afirmou Álvaro Lins. Frágil fisicamente e de índole pacífica, Ieda ajudava como podia abrigando pessoas em sua casa, trabalhando em questões de direito, documentação, envio de correspondências e demais logísticas necessárias.
Ex-estudante de Letras, Sônia Deorce tem em Ieda a mesma figura afetiva, lembrada como uma vizinha com quem ia diariamente para a Universidade de Brasília. Sonia ficou surpresa quando a amiga decidiu aproximar-se do movimento estudantil. "Acredito que ela participou internamente. Era uma pessoa de índole calma, que soube passar por todos aqueles momentos muito fortes, mesmo sabendo que poderia perder a vida. Isso indica um amor muito grande ao próximo". Professora aposentada do Departamento de História da UnB, Geralda Dias conheceu Ieda Delgado em 1968 e, quando se mudou para o Rio de Janeiro, acompanhou com aflição a luta estudantil da amiga. "A militância não acompanhei tanto, ficava sabendo vagamente por amigos em comum e me preocupava. Era uma pessoa muito doce, que tinha a casa aberta aos companheiros".
HONESTINO - Relembrando Honestino Guimarães, presidente da UNE em 1969 e símbolo da resistência estudantil na UnB, Mauro Burlamaqui discorda de Aldir Nunes quanto à consciência de perigo da parte do ex-companheiro. No último encontro entre os dois, no Rio de Janeiro dos anos 1970, Mauro, sempre mais moderado, tentava alertar o amigo sobre o perigo de ser presidente da UNE e andar livremente pela rua. Honestino lhe respondia simplesmente: "A segurança excessiva gera a imobilidade".
Mauro Burlamaqui estende a interpretação aos outros dois homenageados. "Penso neles diariamente, como três pessoas de grande ingenuidade. Me diziam: 'vamos tomar em armas' e eu recusava, pois sempre soube que não havia a menor condição de enfrentamento", contou ele. "Aliás, não tenho dúvidas que foram pegos de surpresa, sem armas nem nada. Não consigo pensar em Ieda, por exemplo, manuseando armas com destreza alguma", completa.
Mateus Guimarães, sobrinho de Honestino, se disse arrepiado e emocionado com o encontro dessa sexta-feira. "Essas pessoas que aqui estão sabem da força que foi tudo isso. Paulo militou, Ieda foi muito dedicada à movimentação e agregação, e Honestino é um cara que simplesmente amou demais."
"O Honestino foi um grande amigo. Convivemos na clandestinidade, eu na Ala Vermelha e ele na Ação Popular. Organizações diferentes, mas que nós dois concordávamos que deveriam se unir pelo que sobrou da esquerda", relembra Álvaro Lins. Lenine Monteiro endossa a tolerância do colega: "Honestino e eu pensávamos exatamente o contrário um do outro, mas de forma democrática. Por isso, foi o líder que foi".