A Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade realizou nessa sexta-feira, 9 de maio, audiência com o jornalista Beto Almeida, que foi estudante da UnB à época da ditadura e participou de movimentos estudantis da universidade. Almeida deu seu depoimento sobre os fatos ocorridos na UnB durante o período ditatorial, principalmente aqueles ocorridos entre 1976 e 1977.
Segundo o professor Cristiano Paixão, membro da comissão, o depoimento de Beto Almeida contribui substantivamente para os trabalhos, uma vez que o jornalista relacionou o contexto político que vivia o Brasil naquela época com os fatos ocorridos na universidade. Além disso, ressaltou que os movimentos estudantis da UnB foram em muitos casos propulsores da mobilização que se espalhou por outras universidades naquele momento.
Marcelo Jatobá/UnB Agência |
HISTÓRIA – Beto Almeida ingressou no então Departamento de Comunicação da UnB em 1975 e desde o início de sua graduação interessou-se pela participação em movimentos de resistência ao regime militar. Suas ações de ativismo dentro da UnB o levaram a ser expulso da instituição em junho de 1977, juntamente com outros 16 colegas de luta. O ato, instituído pelo então reitor José Carlos Azevedo, desencadeou uma greve estudantil que durou mais de 90 dias.
Almeida contou que os estudantes procuravam organizar os movimentos – após uma série de repressões ocorridas anteriormente – por meio das regras da universidade, que estabelecia uma representação discente e um Diretório Universitário. Apesar disso, disse que essa tarefa se tornava inviável, uma vez que por esse caminho sempre havia obstáculos e interesses por parte dos gestores: “as representações estudantis eram uma forma de o governo controlar as manifestações”, afirmou.
Nesse sentido, o ex-estudante disse que todos sentiam muito medo, porque se sabia que havia uma grande quantidade de infiltrados entre alunos e professores. E as informações coletadas por esses agentes infiltrados eram utilizadas para impor sanções aos envolvidos nos movimentos. Nesse contexto, Beto Almeida relatou que a eleição do Diretório Universitário em 1976 foi suspensa uma semana antes com o argumento de que as discussões estavam muito politizadas.
Por isso, os estudantes começaram a criar grupos clandestinos, que se reuniam fora da universidade para debater questões ligadas ao contexto político em que se encontravam e organizar eventos que fortalecessem essa discussão. Com isso, foram trazidos para a UnB artistas como o cantor Ivan Lins, a atriz Lucélia Santos e o ator Walmor Chagas. Inclusive, contou um episódio ocorrido na ocasião de um show realizado por Ivan Lins na universidade: “na hora em que ele foi começar a cantar, a energia foi cortada, mas cantou assim mesmo, sem microfone e à luz dos isqueiros acendidos da plateia. E todos temiam que pudessem ser abordados na saída”.
Beto Almeida também trouxe relatos de palestras que tiveram que ser realizadas em locais externos à Universidade por falta de autorização da reitoria, e mesmo de outras que aconteceram nos auditórios do campus mesmo sem a permissão.
RESISTÊNCIA – O depoente também relatou a dificuldade de se produzirem publicações alternativas dentro da Universidade: “para fazermos um jornal estudantil era um risco de vida”. Por isso, contou alguns mecanismos que utilizavam para que a realização dessas publicações fosse possível. Um deles era utilizar um mimeógrafo – apelidado de “cachacinha” pelo forte olor de álcool que exalava – para imprimir comunicados. Outro era o de esconder as publicações dentro de caixas e escondê-los entre as valas da estrutura do prédio para que não fossem encontrados pelos agentes da ditadura.
O jornalista também relatou que os episódios ocorridos no contexto geral da ditadura influenciavam bastante o cotidiano da universidade. Apesar disso, Beto Almeida ressaltou que os mecanismos de controle no interior da UnB eram muito mais rígidos do que os próprios decretos instaurados pelos presidentes. Utilizou o exemplo de quando os estudantes expulsos foram anistiados por meio de um decreto do então presidente João Figueiredo. Mesmo com a instituição da norma, o reitor José Carlos Azevedo não aceitou a reintegração dos estudantes e eles tiveram que entrar com um mandado de justiça para que o decreto fosse cumprido.
Beto Almeida pôde voltar a ser estudante da Universidade de Brasília em 1980 e concluiu o curso de jornalismo em 1982. Para ele, é necessário continuar na luta, e o debate dos fatos ocorridos são de extrema importância: “a UnB tem um tesouro histórico a ser descoberto. A organização dessa memória vai possibilitar que não voltemos a cometer os mesmos erros”.
A COMISSÃO – Criada em agosto de 2012, a Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da UnB objetiva investigar violações de direitos humanos, perseguições políticas, funcionamento dos mecanismos repressivos e formas de resistência na UnB durante o regime militar entre 1964 e 1988. O grupo tem levantado e sistematizado informações desde o seu lançamento, quando começou a apurar as causas de morte de Anísio Teixeira, um dos criadores da UnB.
As audiências com atores envolvidos nos fatos marcantes para a universidade nesse período são apenas uma parte do trabalho da comissão, que também realiza análise de documentos da época e troca experiências com grupos de outras universidades que têm realizado trabalho similar.